Confira alguns dos principais obstáculos regulatórios nesse segmento após a adoção do Novo Marco Legal do Saneamento

 

O setor de saneamento no Brasil enfrenta desafios complexos. São vários obstáculos a superar, especialmente após o Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), que introduziu mudanças significativas na regulamentação do setor.

Entre as principais discussões do Novo Marco Legal, estão a universalização dos serviços até 2033 (para que alcance 99% da população brasileira com acesso à água potável e 90% com acesso aos serviços de coleta e tratamento de esgoto), a prestação regionalizada entre municípios, a competitividade nas concessões e a harmonização da regulação no setor.

Um estudo recente do Instituto Trata Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR), afirma que as agências enfrentam diferentes desafios, desde a sustentabilidade financeira e autonomia administrativa até questões relacionadas aos quadros de pessoal e diretivo.

 

Veja abaixo as percepções de dirigentes e técnicos dos órgãos reguladores em relação a desafios:

Percepção dos dirigentes e técnicos de saneamento sobre desafios regulatórios

Fonte: Instituto Trata Brasil 

A seguir, analisamos alguns desses principais desafios regulatórios nesse setor.

Fragmentação Regulatória

Um dos grandes obstáculos para a regulação do setor de saneamento no Brasil é justamente a fragmentação das responsabilidades entre os diversos níveis de governo. Tradicionalmente, o setor é regulado majoritariamente por municípios, resultando em uma grande diversidade de normas e práticas regulatórias, o que dificultava a uniformização de padrões e a atração de investimentos.

O Novo Marco Legal do Saneamento busca centralizar a regulação e transferir as responsabilidades para agências estaduais e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), mas a transição ainda encontra resistência local, o que compromete a padronização e a eficiência.

Segundo mapeamento da ANA, existem 104 entidades reguladoras infranacionais de saneamento no Brasil: 59 municipais, 19 intermunicipais e 26 estaduais (confira aqui as atualizações por estado). De acordo com o BNDES, essas instituições apresentam diferentes níveis de maturidade regulatória, com ausência de uniformização em relação a questões como revisão e regulação tarifária, monitoramento do desempenho do prestador de serviços, fontes de receita, recursos humanos, entre outras.

Esse cenário fragmentado deu lugar a uma edição de normas de referência (NRs)i pela ANA, acompanhada de mecanismo de indução. Essa foi a opção estratégica do legislativo para estabelecer diretrizes que poderiam reduzir a heterogeneidade regulatória do setor.

Para incentivar a adoção dessas normas, o Novo Marco Legal do Saneamento determinou uma série de condicionantes para acesso a recursos públicos e financiamentos federais por parte das entidades reguladoras infranacionais (ERIs), uma importante fonte para os investimentos do setor de saneamento. Esse mecanismo também é conhecido como spending power.

O esforço, proposto pelo novo marco, em uniformizar regras gerais contribui para a criação de um ambiente regulatório mais homogêneo e estável. No entanto, um artigo publicado pela Agência BNDES de Notícias  levanta a dúvida: o acesso a recursos federais é incentivo suficiente para que as entidades regulatórias infranacionais possam aderir às normas regulatórias editadas pela ANA? “(…) O fortalecimento institucional das entidades reguladoras infranacionais e sua capacitação são críticos para seu sucesso”, aponta o texto, que pode ser conferido na íntegra aqui.

Além disso, recentemente, a ANA organizou um fórum para abordar seu novo papel e discutir alguns dos desafios, perspectivas e impactos da regulação no setor de saneamento. O evento teve a participação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), que criou seu manual regulatório do segmento com base no manual desenvolvido pela Sabesp junto à Codex Utilities (confira esse case).

Para saber mais sobre a competência da ANA na edição de normas de referência para regulação do saneamento, acesse aqui.

Capacidade Técnica das Agências Reguladoras

Outro desafio crítico é a limitada capacidade técnica e operacional das agências reguladoras em diversas regiões do país. Muitas vezes, as agências municipais e estaduais carecem de pessoal qualificado e recursos financeiros para desenvolver e implementar regulamentações eficientes e garantir a fiscalização adequada dos serviços. As agências têm como objetivos principais:

a) Definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos quanto a modicidade tarifária;

b) Garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas nos contratos de prestação de serviços e nos planos de saneamento;

c) Estabelecer padrões e normas para a adequada prestação e a expansão da qualidade dos serviços e para a satisfação dos usuários.

(Fonte: Instituto Trata Brasil)

Essa falta de capacidade técnica pode levar a falhas na definição de tarifas justas e na promoção de investimentos necessários para a melhoria dos serviços. Da mesma forma, e justamente por não ter uma regulamentação padronizada, variando de acordo com a agência reguladora, muitas empresas de saneamento têm um enorme desafio em realizar entregas regulatórias em conformidade.

 

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A respeito da necessária capacitação das ERIs, o já citado artigo da Agência BNDES de Notícias relembra que, em 2021, a ANA publicou um Plano de Capacitação em Regulação no Saneamento para o período de 2021-2025, desenvolvido com apoio do Banco Mundial. Um dos principais objetivos desse plano é garantir que todos os servidores e atores que executem tarefas relativas à regulação do setor de saneamento básico tenham acesso a ações de educação e capacitação relevantes para seu trabalho. Trata-se de conhecimentos fundamentais (noções de saneamento e de regulação) e conhecimentos específicos (governança regulatória, regulação técnica, regulação econômica e regulação contratual). O documento estabelece como meta que, no mínimo, 75% das agências reguladoras infranacionais frequentem, pelo menos, um curso de capacitação entre os cursos previstos por ano.

Além disso, em janeiro de 2024, a ANA lançou o Programa de Incentivo ao Fortalecimento da Governança Regulatória do Saneamento Básico (Pró-Saneamento), voltado à capacitação das ERIs. O programa inclusive prevê pagamento por resultados, além de avaliação das entidades em termos de boas práticas e governança.

“O desafio da capacitação das ERIs certamente ultrapassa os esforços da ANA. Para que de fato ocorra e tenha efeitos de longo prazo, é preciso que as equipes técnicas das ERIs sejam reforçadas e que sua remuneração seja suficientemente atrativa para garantir uma baixa rotatividade”, aponta a autora do artigo, Luciana Xavier de Lemos Capanema.

Tarifa e Sustentabilidade Econômica

A sustentabilidade financeira do setor de saneamento depende de tarifas adequadas que cubram os custos de operação e manutenção e permitam a expansão dos serviços. No entanto, definir tarifas que sejam justas para os consumidores e ao mesmo tempo atrativas para os operadores do serviço é um dos maiores desafios regulatórios.

Em muitas regiões, a população não possui capacidade de pagamento suficiente, o que leva a um dilema entre manter tarifas acessíveis e garantir a viabilidade dos investimentos. Nesse contexto, mecanismos como subsídios cruzados e políticas públicas específicas têm sido debatidos, mas ainda faltam soluções amplamente implementadas e eficazes.

Integração dos Serviços

Um desafio adicional é a integração dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos. Esses serviços são, muitas vezes, tratados de forma isolada, o que impede uma abordagem integrada para a gestão dos recursos hídricos e para a melhoria da qualidade dos serviços.

A regulação precisa promover a coordenação entre diferentes prestadores de serviços e incentivar soluções que considerem o ciclo completo da água, desde a captação até o tratamento final.

Desigualdades Regionais

O Brasil apresenta disparidades regionais significativas no acesso aos serviços de saneamento. Enquanto algumas áreas urbanas, especialmente no Sudeste, já alcançaram uma cobertura considerável, muitas comunidades rurais e regiões do Norte e Nordeste ainda carecem de acesso a serviços básicos. No Norte, a porcentagem de pessoas sem coleta de esgoto ultrapassa 85%, enquanto no Sudeste é de 19,2% (a média nacional é 44,5%). Veja todos os números no Painel do Saneamento do Instituto Trata Brasil.

A regulação precisa considerar essas desigualdades e estabelecer mecanismos de compensação para garantir que as áreas menos favorecidas também recebam investimentos e infraestrutura adequada, seja por meio de políticas de subsídio ou da obrigatoriedade de investimentos mínimos em áreas de baixa cobertura.

Monitoramento e Transparência

O monitoramento efetivo dos serviços de saneamento e a transparência na gestão das informações são essenciais para assegurar a qualidade do serviço prestado. No entanto, muitas empresas prestadoras de serviços de saneamento não possuem sistemas adequados de monitoramento e controle de perdas.

A regulação deve promover a obrigatoriedade de metas claras para redução de perdas de água, bem como exigir a disponibilização de informações para o público e para os órgãos de controle, de modo a garantir a responsabilidade dos operadores.

Atração de Investimentos Privados

A regulação também precisa lidar com a necessidade de atrair investimentos privados para a expansão dos serviços. Historicamente, o setor de saneamento foi dominado por empresas públicas, mas com a aprovação do Novo Marco Legal, há um estímulo à participação privada, como ocorreu recentemente com a desestatização da Sabesp.

No entanto, para que as empresas privadas se interessem em investir, é essencial que o ambiente regulatório ofereça segurança jurídica e previsibilidade. Isso inclui regras claras sobre concessões, revisão tarifária e uma estrutura que garanta o retorno dos investimentos. A falta de clareza em muitos contratos existentes, aliada à instabilidade política, gera incertezas que afastam potenciais investidores.

 

Conclusão

Os desafios de regulação no setor de saneamento no Brasil são vastos e exigem um esforço coordenado entre governo, agências reguladoras, empresas privadas e a sociedade civil. A implementação do Novo Marco Legal do Saneamento trouxe uma oportunidade para superar alguns desses obstáculos, especialmente no que diz respeito à padronização regulatória e à atração de investimentos privados.

Vale destacar que outro aspecto a considerar é a Tarifa Social. Em recente congresso da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), o tema foi levantado pela diretora geral da ARISB, agência que atende a mais de 40 municípios de Minas Gerais. De acordo com artigo que resume o encontro, Gleice Nascimento enfatizou que “quando administrada adequadamente, essa modalidade tarifária não necessariamente causa uma queda na receita. Muitas vezes, o impacto é subsidiado, mas por receio de aumentar o valor da tarifa, algumas agências reguladoras acabam culpando a Tarifa Social injustamente.”

Esse é apenas mais um tema a ser endereçado e que converge para tópicos abordados acima, como a sustentabilidade financeira do setor e a necessidade de lidar com desigualdades regionais. Desafios cruciais para que o país possa alcançar a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, como previsto na legislação.

 

👀 Quer saber mais?

Este webinar da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dividido em dois painéis, com a presença de representantes do Governo Brasileiro, ANA, Aegea, DESO, BRK Ambiental e Sabesp, traz um panorama amplo sobre desafios e oportunidades da regulação econômica no Saneamento.

E neste documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também é possível obter uma visão abrangente sobre regulação e investimento no setor de Saneamento no Brasil.

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